A Transmissão da Psicanálise
"Transmissão e não ensino. Não se ensina “psicanálise”, nem “psicanalisar”. Transmite-se um conhecimento, um saber, ao qual por força das mudanças e do estilo de quem transmite, é agregado dos pensamentos, valores e idéias do transmissor.
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No entanto, é na observação, pura e simples, com objetos reais e fantasias verdadeiras, fruto do sentir, nem sempre lapidado, sem ensaios e técnicas que as cortinas se abrem para um cenário claro, sem os recursos e as sutilezas do teatro das ilusões.
A questão está limitada no espaço porque não surge em todos os países com igual significado. Na Alemanha e nos Estados Unidos isto não passaria de uma discussão acadêmica, pois naqueles países qualquer paciente pode submeter-se a tratamento e por quem ele escolher, e qualquer um que ele escolha pode, como um ‘charlatão’, lidar com quaisquer pacientes, contanto somente que ele assuma a responsabilidade de suas ações. A lei não intervém até que seja chamada a sanar algum dano causado ao paciente. Mas na Áustria, na qual e para a qual escrevo, existe uma lei preventiva, que proíbe aos não-médicos empreenderem o tratamento de pacientes, sem aguardar o seu resultado. Dessa forma, aqui a questão de se leigos ( = não-médicos) podem tratar pacientes pela psicanálise tem um sentido prático. Logo que é levantada, contudo, parece ser solucionada pela letra da lei. Os neuróticos são pacientes, os leigos são não-médicos, a psicanálise é um método paramétodo para curar ou melhorar as perturbações nervosas, e todos esses tratamentos ficam reservados a médicos. Depreende-se que não se permite aos leigos praticar a análise em neuróticos, sendo puníveis se não obstante agirem dessa maneira. Sendo a posição tão simples, dificilmente alguém se aventura a chamar a si a questão da análise leiga. Ainda assim, há certas complicações, com as quais a lei não se preocupa, mas que não obstante exigem consideração. Talvez venha a acontecer que nesse caso os pacientes não sejam como outros, que os leigos não sejam realmente leigos, e que os médicos não tenham exatamente as mesmas qualidades que se teria o direito de esperar deles e nos quais suas alegações devem basear-se. Se isto puder ser provado, haverá fundamentos justificáveis para exigir que a lei não seja aplicada sem modificação ao caso perante nós.
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A técnica psicanalítica
Por Luzia Jorge
Os encontros sobre técnica nasceram das muitas dificuldades existentes na hora da transmissão; já é hora de mantermos esses encontros de técnica psicanalítica. Tarefa árdua quando se trata de falar sobre técnica, pois mesmo os trabalhos sobre técnica escritos por Freud, mesmo sendo excelentes, não passam de esboços. Tais trabalhos não descrevem com detalhes o que o psicanalista realmente faz quando analisa.
Entendemos que é um risco muito grande permitir que ambigüidades, divergências e derivações circulem entre analista e analisando numa sessão de supervisão. Como resultado dessas discussões particulares, a análise de uma resistência pode significar uma coisa para um determinado analista, e outra coisa tremendamente diferente para outro, e ambos seguirem acreditando estar analisando uma resistência de acordo com os princípios psicanalíticos clássicos, quando estão bem longe disso.
Entre todos os psicanalistas a diversidade de pontos de vista é bem aparente. Também a hesitação, a timidez e a indecisão para divulgar suas técnicas, torna o assunto um emaranhado de postulados teóricos pessoais e específicos.
Então, de quê ou de qual psicanálise falamos?
Essa confusão e insegurança quanto a técnica já vem de longa data, e deve ser minimizada nos nossos grupos de estudo. E, sinceramente, não é lendo um manual que as divergências e ocultamentos serão dirimidos.
Nossos encontros sobre técnica poderão funcionar muito bem, demonstrando “in vivo”, detalhada e sistematicamente, como realmente trabalha um psicanalista, quando ele afirma estar analisando determinados fenômenos psíquicos. Para tanto, devemos observar que, embora haja pouca comunicação pública sobre detalhes da técnica, pois ninguém está bem disposto a abrir sua própria análise, existe uma boa dose de conversas particulares entre analistas, o que resultam em facções – fato que provoca uma indiferença, retarda o processo de tornar a psicanálise mais acessível e menos esotérica.
Transmitir a técnica, ensinar como se faz é abrir a própria análise; talvez por isso, a resistência em partilhar o conhecimento. E o que nos levou a fazer exatamente isto, foi a constatação da necessidade de levar ao candidato a analista a oportunidade de descobrir, numa troca amigável e despretensiosa, a técnica que vai de encontro a seu acervo pessoal.
Psicanálise: uma observação
Por Aleandro Rocha
As incertezas, as angústias, a ansiedade, o medo do fim, do novo e de tantas outras formas de dor nos impedem de viver com maior plenitude. Neste contexto, libertar-se é permitir quebrar as barreiras que nos aprisionam e nos sufocam com aflições, lembranças, fantasias, desejos, omissões e ações confusas.
Desvelar o sentir e o desejar tocam a alma e transformam vidas. Mergulhar na psicanálise é navegar pelos sentimentos e seus significados, conhecendo e ressignificando a vida em cada onda que nos empurra para a imensidão de nossas próprias águas.
Crescer é vencer incômodos e admitir que, mesmo guardados, são sintomáticos e se apresentam em nossas vidas por meio da dor. Vivenciar um processo de análise é nos perceber como “seres de desejos”. Para isso, precisamos nomeá-los e buscá-los na riqueza do silêncio e nas surpresas das lembranças, fantasias e palavras livres.
Viver a psicanálise é adentrar no que está escondido no passado, partindo das urgências da vida cotidiana. Nessa viagem, a presença do outro nos ajuda a trilhar os caminhos necessários para reencontrar as paradas que marcaram cada vida. Dali, partir para novos caminhos.
Um mergulho na psicanálise revela disfarces e máscaras, pois nos permite ser mais observadores. Sentir a psicanálise é esvaziar-se das próprias questões antes de consolidar o novo eu. Um processo com base na liberdade de sermos em nossa plenitude, sem disfarces e sem julgamentos. Uma liberdade motivada pelo desejo de ver, sendo essa força a sustentação para a construção do novo.
Desvelar o sentir e o desejar tocam a alma e transformam vidas.
Refletir e observar
Por Aleandro Rocha
A reflexão, comum, corriqueira e necessária carrega em seu discurso uma construção moldada na vivência ou em pensamentos já concebidos. Um cenário baseado em opiniões e, consequentemente, em julgamentos e em resistências. Nela, uma fala impregnada de mecanismos de defesa, nos protegendo com uma cortina que, ao se abrir, revela um cenário construído com técnicas, objetos e sentimentos cênicos. Fazem-nos lembrar, desejar, rir e chorar com o já está estabelecido. Assim, riso e dor são frutos de um espetáculo que, mesmo recriando a vida, já está ensaiado, portanto, definido.
No entanto, é na observação, pura e simples, com objetos reais e fantasias verdadeiras, fruto do sentir, nem sempre lapidado, sem ensaios e técnicas que as cortinas se abrem para um cenário claro, sem os recursos e as sutilezas do teatro das ilusões.
É neste contexto, onde nos encontramos desprovidos de recursos, críticas e pensamentos concebidos que nos possibilitamos sentir e perceber a realidade da vida, construindo um novo cenário. A vida sem a limitação do já concebido, do que nos agrada e nos convém, tornando o enredo e o final do novo texto uma percepção desprovida de artifícios limitados, com personagens reais, diálogos e monólogos que levam a uma verdade que liberta.
A Questão da Análise Leiga
Sigmund Freud
O título deste pequeno trabalho não é de pronto inteligível. Portanto, eu o explicarei. ‘Leigo’ = ‘Não-médico’; e a questão é se os não-médicos bem como os médicos devem ter permissão para praticar a análise. Essa questão tem suas limitações tanto no tempo como no espaço. No tempo, porque até agora ninguém se preocupou com quem pratica a análise. Na realidade, as pessoas se têm preocupado pouquíssimo com isto — a única coisa com a qual estavam concordes era o desejo de que ninguém devia praticá-la. Várias razões foram dadas para isto, mas se basearam na mesma falta de gosto fundamental. Assim, a exigência de que somente médicos devem analisar corresponde a uma atitude nova e aparentemente mais amistosa em relação à análise — se, isto é, ela puder escapar à desconfiança de ser, afinal de contas, apenas um derivado ligeiramente modificado da atitude mais antiga. Admite-se que em certas circunstâncias um tratamento analítico seja empreendido; mas, se for assim, somente os médicos devem empreendê-lo. O motivo dessa restrição torna-se assim um assunto de indagação.Quando decidi fazer análise
Por Luzia Jorge
Quando decidi fazer análise, fiz o que todo mundo faz: fui ler Freud. Mas não um texto qualquer. Comecei logo pelos artigos de técnicas. Especificamente por este aqui: Sobre o Início do Tratamento (Novas Recomendações Sobre a Técnica da Psicanálise - 1913).
À época, eu estava muito empenhada em aprender o jogo de xadrez. Havia comprado uns livros sobre o jogo. Busquei um professor, considerado um grande enxadrista por todos os jogadores deste sublime passatempo. Dois meses depois, tornei-me uma boa jogadora e fiquei por alí. Outra história para outro momento.
O texto de Freud chamou minha atenção porque começa assim: "Todo aquele que espera aprender o nobre jogo de xadrez, nos livros, cedo descobrirá que somente as aberturas e os finais de jogos admitem uma apresentação sistemática exaustiva e que a infinita variedade de jogadas que se desenvolvem após a abertura desafia qualquer descrição desse tipo. Esta lacuna na instrução só pode ser preenchida por um estudo diligente dos jogos travados pelos mestres. As regras que podem ser estabelecidas para o exercício do tratamento psicanalítico acham-se sujeitas a limitações semelhantes". Que texto magnífico! Entendi que precisava jogar o jogo da análise com alguém experiente, pois autoanálise não é pra todo mundo, e definitivamente comigo não estava dando certo.
Posterguei por mais um tempo essa sábia decisão, pois queria ler um pouco mais e chegar fazendo bonito no analista (que eu nem havia pensado), e travar com ele longas discussões acerca da teoria e tudo mais, antes de entregar, como eles chamam, meu material.
Fantasiava sobre os serões psicanalíticos que teria com o meu analista; como ele ficaria ansioso por me ver a cada sessão, pois eu seria uma janela para que ele respirasse o ar puro da inteligência que eu levaria para o consultório dele, e ele me agradeceria por partilhar meus conhecimentos recém adquiridos, tão sensatos e completos.
Bom, chega de autoelogios. No fundo sou bem tranquila e morro de medo de ser julgada por meus parcos conhecimentos, em todas as áreas. Mas, sonhar que posso impressionar meu analista, isso eu posso!
Segui lendo o texto e entendi muita coisa que nem suspeitava que existia. Outras questões atravessavam minha mente, e todas exigindo respostas urgentes: com divã ou sem divã? Devo anotar meus sonhos? Sou o tipo ideal para ser psicanalizado? Por onde começar? A primeira sessão. Fale-me tudo o que vier à sua mente. Mesmo aquilo que você acha que não tem importância, que é vergonhoso ou você não falaria pra ninguém.
Assim foi-me anunciada a regra fundamental da psicanálise. Agora ia começar a coisa toda. E eu, no divã (como é difícil falar desse lugar!), aprendendo a associar livremente.
A Questão da Análise Leiga
Sigmund Freud
A questão está limitada no espaço porque não surge em todos os países com igual significado. Na Alemanha e nos Estados Unidos isto não passaria de uma discussão acadêmica, pois naqueles países qualquer paciente pode submeter-se a tratamento e por quem ele escolher, e qualquer um que ele escolha pode, como um ‘charlatão’, lidar com quaisquer pacientes, contanto somente que ele assuma a responsabilidade de suas ações. A lei não intervém até que seja chamada a sanar algum dano causado ao paciente. Mas na Áustria, na qual e para a qual escrevo, existe uma lei preventiva, que proíbe aos não-médicos empreenderem o tratamento de pacientes, sem aguardar o seu resultado. Dessa forma, aqui a questão de se leigos ( = não-médicos) podem tratar pacientes pela psicanálise tem um sentido prático. Logo que é levantada, contudo, parece ser solucionada pela letra da lei. Os neuróticos são pacientes, os leigos são não-médicos, a psicanálise é um método paramétodo para curar ou melhorar as perturbações nervosas, e todos esses tratamentos ficam reservados a médicos. Depreende-se que não se permite aos leigos praticar a análise em neuróticos, sendo puníveis se não obstante agirem dessa maneira. Sendo a posição tão simples, dificilmente alguém se aventura a chamar a si a questão da análise leiga. Ainda assim, há certas complicações, com as quais a lei não se preocupa, mas que não obstante exigem consideração. Talvez venha a acontecer que nesse caso os pacientes não sejam como outros, que os leigos não sejam realmente leigos, e que os médicos não tenham exatamente as mesmas qualidades que se teria o direito de esperar deles e nos quais suas alegações devem basear-se. Se isto puder ser provado, haverá fundamentos justificáveis para exigir que a lei não seja aplicada sem modificação ao caso perante nós.
FREUD, Sigmund. Fragmentos do pós-escrito A Questão da Análise Leiga: Conversações com uma Pessoa Imparcial, 1927.
Por Aleandro L. Rocha
E a sala de estar virou sala de aula
Talvez as casas nunca tenham estado tão habitadas, por tanto tempo e ao mesmo tempo, com todos ou quase todos os membros da família. Um verdadeiro impulso às mudanças nas formas de relacionamento entre os familiares. Nessa dinâmica de adaptações as crianças e os adolescentes estão tentando entender o que está acontecendo. Mas por em quanto, só o desafio de fazer do lar a nova escola. Afinal, o que o isolamento social e a necessidade de aprendizagem em casa estão causando aos alunos, pais e professores?
No processo de aprendizagem, em casa, muitos pequenos e também os adolescentes estão vivendo um verdadeiro caos ao tentarem acompanhar a dinâmica do ensino virtual. Os professores se esforçam e se esgotam na busca por ensinar. Para os pais restou um susto e muitos gritos por socorro!
As e os alunos seguem buscando concentração e motivação para corresponder a demandas que muitos denominam de "exageradas". E aí instala-se o caos! Entre as leituras e repostas estão os relatos de dificuldades para acompanhar as aulas e absorver o conteúdo. Assim, na nova sala de aula, o que se tem é ansiedade e desânimo durante o processo de aprendizado.
De um lado está a exigência de se potencializar as ferramentas virtuais para atender às demandas de ensino. Os professores estão buscando formas de ensinar - de aprimorar nesse novo fazer dos mestres. São os planos de ensino, dinâmicas e aplicação de conteúdo. Tudo para garantir o ano letivo. Mas o que muitos alunos e pais relatam é que o já conhecido formato de transmissão de ensino continua tendo seu espaço no ensino à distância: páginas e páginas, livros, exercícios e provas.
Mesmo que algumas escolas já tenham voltado ao ensino presencial, boa parte dos alunos continuam em casa. Por isso a realidade sinaliza o quanto é urgente e necessário repensar como essa extensão da sala de aula está sendo apresentada aos alunos. Um cenário que pode parecer contraditório, já que o mundo virtual se tornou imperioso na vida da maior parte dos jovens e adultos. Esperava-se que aprender "on-line" seria tão familiar quanto as horas em frente aos jogos e às redes sociais. Mas, não! O que também nos faz pensar que, realmente, excesso de informação não é sinônimo de aprendizado, de motivação do conhecimento.
Como intermediários estão os pais, beirando ao desespero por estarem, também, tornando-se professores; de estarem vivenciando de perto uma angústia e uma inquietude de seus filhos diante das aulas virtuais. Uma tarefa que boa parte não consegue exercer. Não por falta de vontade, mas por falta de tempo e de didática.
Mas quem será o carrasco da história? Precisamente, ninguém! Estão todos buscando lidar com essas plataformas de ensino, mas muitas vezes desejando as aulas presenciais. Se essa vontade de estar presencialmente na sala de aula fosse expressa em 2019, ninguém acreditaria. Mas após meses de experiências virtuais, chega a ser um desejo e um projeto de vida para muitos alunos, pais e professores.
Para os pais, é preciso entender que se faz necessário aprimorar para lidar cada vez melhor com o jeito dos filhos de absorverem o conteúdo escolar. É preciso um crédito para aceitar que deve-se fazer o melhor, mas, principalmente, o que é possível neste momento. Acredito que, se alguma mãe ou pai tinha dúvida sobre a luta dos professores em sala de aula, ao se desdobrarem entre passar o conteúdo e lidar com as emoções dos alunos, isso já não acontecerá mais.
Como toda experiência acarreta em aprendizado, esse é momento de avaliarmos o que significa essa dinâmica de desatenção, inquietudes e angústias. É preciso pensar que a dinâmica é nova e pede formas mais criativas na transmissão do saber, nas plataformas. Não se pode exceder em leituras e cobranças por meio de exercícios como garantia de conteúdo ministrado. Afinal, quem está do outro lado pode não suportar. Os relatos desses alunos e seus pais têm comprovado isso.
Ressaltar a necessidade de uma educação consistente, porta para uma formação cidadã, deve ser sempre constante. Mas não se pode forçar as crianças a aprenderem a qualquer custo. O processo de aprendizagem precisa ser prazeroso. Cobranças e excesso de conteúdo não proporciona criatividade e pode desaguar no desinteresse.
Estamos todos, de uma forma ou de outra, aprendendo a reaprender. É inegável que o espaço virtual e as ferramentas tecnológicas são meios necessários. Mas o que essa experiência também mostra é que nada pode substituir as relações presenciais, pois muito se aprende na observação e nas referências de participar e interagir em grupos.
Emoção à flor da pele
Por Aleandro L. Rocha
Tranquilidade, tolerância, paciência, compreensão e calma; sentimentos que são sinônimos e motivação para quem busca qualidade de vida. Um olhar para o equilíbrio desejado por todas e todos. Diante do atual cenário, são essas emoções e seus reflexos na vida prática mais do que necessários. São urgentes! Afinal, após meses de isolamento social e incertezas trazidas pela pandemia, tem sido cada vez mais comuns os relatos de sentimentos de angústia, de estresse e de comportamentos agressivos entre as pessoas.
Em tempos de pandemia, é possível que muitos já tenham lido, visto ou ouvido notícias estampando atos de desrespeito e agressão entre vizinhos, nas ruas - e muitas vezes dentro dos lares brasileiros. Música alta, discussões, gritos e intolerância têm tido um aumento expressivo. Não que esses comportamentos, infelizmente, não façam parte da vida de muita gente. Porém, o crescimento de denúncias e casos de polícia são cada vez maiores. Mas afinal, o que está acontecendo? Será que estamos projetando emoções pessoais nos outros? Estamos ansiosos e agressivos de forma desmedida?
Vale ressaltar que que o isolamento social e as dúvidas sobre o momento atual estimulam emoções adormecidas, como já abordamos em outras reflexões aqui na Coluna Fragmentos. É cada vez mais comum observarmos pessoas mais emotivas. Dessa forma, parece, e os relatos confirmam, que até pequenos contratempos estão tomando grandes proporções. São atitudes impulsivas que revelam a perigosa intolerância.
Outra agravante para quem está em casa é a falta de percepção da passagem do tempo. Além disso, o trabalho em home office tem extrapolado o limite das horas. Muitas pessoas tem manifestado um esgotamento e até mesmo uma aversão a esse "novo" formato de trabalho. Um aumento no volume de demandas, como longas e exaustivas reuniões e mensagens fora de hora, até mesmo de madrugada. É como se o excesso das demandas laborais desviassem as pessoas de pensar sobre a realidade em que o mundo vive hoje. Porém, essa fuga não muda o fato de estamos em meio à pandemia. Ao contrário, ela pode potencializar e disfarçar as emoções que, em determinados momentos, se evidenciam em atitudes descompassadas.
É adentrando neste cenário que observamos outros sintomas de um mal estar. Já observou o quanto as pessoas estão ansiosas por falar? Em contrapartida, nota-se tantas outras mais silenciosas, recolhidas. A relação com a alimentação também tem denunciado uma ansiedade em muita gente, sendo pelo excesso ou perda do apetite. Os casos de insônia e pesadelos também aumentaram. Assim como os relatos cada vez mais frequentes de tremores repentinos, um coração que dispara e um medo excessivo de sair de casa.
São essas e tantas outras emoções e atitudes que devem ser observadas com maior cuidado neste momento. Hoje, mais do que nunca, é preciso que cada um olhe para a sua forma de sentir e comportar-se. Avaliar se as atitudes estão condizentes com os fatos ou se estão saindo do controle precisa ser um exercício diário.
É compreensível que as emoções fiquem mais intensas neste momento de pandemia. Mas não se pode deixar de buscar ajudar-se para modificar aquilo que está alterando as suas emoções, o seu equilíbrio. Evitar um adoecimento que leve ao descontrole consigo e com os outros deve ser um compromisso pessoal.
Por isso, vamos transformar em prática diária atos que representem os sinônimos para tolerância, tranquilidade, paciência e cuidado, como mencionado no início dessa reflexão. Lembrando que são sentimentos e comportamentos assim que evitam um adoecimento pessoal e freiam exageros que podem nos tornar vítimas ou carrascos por meio de atitudes impulsivas, agressivas e impensadas, do medo e da confusão de emoções.
Afinal, o momento pede cuidado e calma, e não um cenário de pessoas se agredindo nas ruas e dentro das próprias casas.
- setembro de 2020
O desafio da observação em meio à pandemia
Qual o significado de parar? É uma proposta de observação da vida ou um desafio doloroso? As pessoas aprenderam o valor da pausa ou aquietar-se é sinônimo de sofrimento? Por que a pausa, a observação e o próprio silêncio podem ser tão desafiadores para algumas pessoas?
Chego em casa, ligo o rádio e a TV. A wi-fi é automática: respondo mensagens, envio mensagens, atualizo a lista de filmes e séries etc... Os filhos? Quase sempre no quarto, com os seus inúmeros jogos e suas incontáveis horas. Quando muito, o tempo passa entre escutar as demandas, tomar ou não atitudes. No relacionamento, atualizam-se os desconfortos, traçam-se planos e já suspira-se sobre como será amanhã.
Pausa? Só para responder mais uma dúzia de mensagens da última hora e repassar outras tantas. Correndo assim, estamos seguindo com a vida ou empurrando o que se sente, realmente, para um tempo futuro, indeterminado? Não são os conteúdos internos as nossas identificações, mas são as questões externas os grandes espaços que preenchem os dias. Pensando assim, parar é um desafio.
Parar? Só se for em resposta a uma ameaça mundial, que nos obrigue a ficarmos em casa. Mas isso era história de cinema. Afinal, era e é quase irreal pensar que alguma coisa pode exigir que as pessoas fiquem em suas casas. Quantos diziam nunca terem pensado em um cenário assim. Pois bem, era coisa de cinema!
Estamos todos, involuntariamente, dentro de uma história real. A ficção agora é uma realidade dura, triste e incerta, mesmo que passageira. Hoje, estima-se que cerca de 1/3 da população mundial está em casa, aguardando, com temor, os dias que se apresentam e na dúvida do amanhã.
Assim, o ato de parar, desafiador e também cinematográfico, virou realidade; uma imposição da vida e não uma decisão pessoal. Com essa pausa forçada, estamos tendo que lidar com os fantasmas das questões individuais que são empurradas para baixo do eterno tapete, no dia a dia.
E os sintomas? A ansiedade, o pânico, a tristeza e a angústia? Sentimentos que não são completamente estranhos, mas – com o estímulo – ficaram mais evidentes. São velhos conhecidos, abafados com as correrias, com os medicamentos e com as eternas falas do “deixar pra depois”, para o “quando”, para o futuro.
Estamos vivendo um momento histórico que também é um convite à pausa, à reflexão. Temos que lidar com a pandemia (Covid-19), isso é certo. E o que mais poderemos fazer? Será essa a oportunidade de analisarmos o que nos tornamos e aonde chegamos? Estamos dentro de nossas casas, rodeados por pessoas com as quais temos questões não resolvidas: relacionamentos, filhos, trabalho, dinheiro e projetos não realizados.
Quantas emoções sentimos sem nomeá-las? Quantas questões fazem-se presentes e olham para esse recolhimento esperando que, talvez agora, tenhamos o tempo da pausa para entendê-las, portanto, para nos entendermos melhor? O que estamos sendo para nós mesmos e para os outros? Quais cenários estamos criando?
Que cheguem os dias melhores, de superação em todas as nações que hoje sofrem! Sim, esse é um texto de interrogações; questionamentos que aguardam respostas – a sua pausa. Um desejo para que cada um possa superar suas próprias ameaças internas, enfrentando os sentimentos escondidos e buscando novas formas de existir.